7 de setembro de 2007

OS FILMES ROMÂNTICOS ESTÃO A DESAPARECER?


Cinema volta a interessar-se pelo romance?
Greta Garbo é uma memória longínqua. Afinal de contas, foi em 1936 que George Cukor a dirigiu, contracenando com Robert Taylor, em A Dama das Camélias. O certo é que, subitamente, o cinema americano volta a interessar-se pelo romance. Aliás, em boa verdade, o mais rentável filme de sempre, Titanic (1997), de James Cameron, é uma história romântica que, contra ventos e marés (e um orçamento astronómico de 200 milhões de dólares), se transformou num fenómeno, de facto, planetário.A inesperada actualidade do romantismo cinematográfico reflecte, antes do mais, os ciclos revivalistas da imprensa (veja-se o curioso dossier publicado pela revista Time, na edição de 20 de Agosto). Mas há mais. O revivalismo ou, pelo menos, a nostalgia por algum romantismo parece provir da própria indústria. E por uma razão eminentemente económica.Assim, é um facto que, hoje em dia, os grandes sucessos visam, antes do mais, os espectadores mais jovens. Repare-se nos cinco títulos com maior receita bruta no ano corrente: Spider Man 3, Shrek o Terceiro, Transformers, Piratas das Caraíbas nos Confins do Mundo e Harry Potter e a Ordem da Fénix. Não é preciso ter tirado um curso de sociologia para perceber que as respectivas audiências são dominadas por gente jovem (normalmente com menos de 25 anos). Mais do que isso: os muitos cruzamentos de tais filmes com a nova cultura informática e, em particular, com os jogos de vídeo são sintoma de novos modelos de consumo em que a clássica cinefilia, com as suas obrigatórias componentes românticas, já pouco ou nada pesa.E, no entanto... os filmes românticos teimam em não desaparecer. Que filmes românticos? Em termos históricos, a designação é suficientemente lata para poder abranger clássicos como E Tudo o Vento Levou (1939) ou Casablanca (1942), a par de títulos mais próximos como Oficial e Cavalheiro (1982), de Taylor Hackford, África Minha (1985), de Sydney Pollack, As Pontes de Madison County (1995), de Clint Eastwood, O Paciente Inglês (1996), de Anthony Minghella, o já citado Titanic ou ainda O Segredo de Brokeback Mountain (2005), de Ang Lee, que conseguiu a proeza não desprezível de, no mercado popular (muito para além de qualquer nicho "especializado"), conciliar a história de um amor homossexual com os pressupostos tradicionais do romantismo.Financiadores interessadosA prova de que o impulso romântico continua a interessar os financiadores está no simples facto de os filmes não deixarem de aparecer. Por exemplo, que filme está a rodar actualmente uma estrela como Nicole Kidman? Nada mais nada menos que Austrália, contracenando com Hugh Jackman e sob a direcção de Baz Luhrmann (Moulin Rouge), filme que se anuncia como a história épica de um amor em vésperas da Segunda Guerra Mundial. Orçamento: 130 milhões de dólares.Aliás, importa reconhecer que as histórias de amor (em todos os registos) não desapareceram do mapa. Para nos ficarmos pelas memórias mais próximas, lembremos que este ano se estrearam títulos como Em Busca da Felicidade (típico melodrama familiar, protagonizado por Will Smith), Vénus (com Peter O'Toole, um requiem pelo romantismo da terceira idade), Diário de um Escândalo (retrato de um amor lésbico oculto, com Judi Dench e Cate Blanchett), O Véu Pintado (inesperada e muito clássica versão de Somerset Maugham, com Naomi Watts e Edward Norton) e ainda Lady Chatterley (adaptação francesa de D. H. Lawrence, a provar que os europeus também têm uma palavra a dizer nesta conjuntura).O problema não está tanto na existência de filmes "mais" ou "menos" românticos. As questões de mercado são determinantes e os seus principais agentes (a começar, naturalmente, pelos produtores) tendem a privilegiar os títulos capazes de render o mais possível na primeira semana de exibição. Há vários factores que contribuem para tal estratégia: em primeiro lugar, prevalece uma lógica meramente economicista: as estreias num grande número de salas (mais de 3 mil nos EUA, perto de uma centena num mercado pequeno como o português) "exigem" uma rentabilização rápida, tanto mais que os gastos em promoção crescem proporcionalmente; depois, os espectadores mais jovens estão mais disponíveis para responder a tais apelos e também, eventualmente, para ir ver o mesmo filme mais do que uma vez; por fim, a ânsia do lucro rápido faz com que distribuidores e exibidores se mostrem quase sempre pouco disponíveis para dar tempo a um filme para criar o seu próprio público. Neste último aspecto, há dados muito reveladores. Fiquemo-nos pelo mercado americano e pelos números de Spider Man 3, o filme mais rentável de 2007. No seu fim de semana de estreia, Spider Man 3 acumulou 151 milhões de dólares, ou seja, uma impressionante fatia de 45% do total das respectivas receitas. Quanto é que Titanic rendeu no seu fim de semana de estreia? 28 milhões. E quanto é que isso representa em relação ao total do seu rendimento? Apenas 4,8%.Claro que ninguém ignora que os tempos estão difíceis para o romantismo. Afinal de contas, a generalização do "liberalismo" sexual da Internet parece ter superado todas as barreiras tradicionais, culturais e morais. Esta é uma conjuntura violentamente anti-romântica que o crítico Adam Simon, citado num artigo de The Sunday Times (19 de Agosto), resume de forma exemplar: "Numa cultura em que se pode dizer e faze r tudo, fazer amor com tudo, casar e divorciar-se seja de quem for e depois recomeçar tudo outra vez, não pode haver romance porque o romance é sobre os limites."Fica a ironia de alguns grandes clássicos, românticos e não só, serem grandes sucessos em edições mais ou menos especiais em DVD, isto a par do impacto global de muitas séries televisivas que não são propriamente ligeiras (afinal de contas, Os Sopranos não se confunde com as muitas patetices "cómicas" fabricadas para o público adolescente...). Talvez, um dia destes, os decisores da indústria acordem com menos cifrões na cabeça, olhem para trás e compreendam que não é possível fazer a história dos filmes (incluindo a história económica) sem um importante e muito nobre capítulo romântico.

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